Efeito skate: dispara busca por tênis, roupa e equipamentos

As três medalhas de prata que os skatistas brasileiros conseguiram na estreia da modalidade no Jogos Olímpicos de Tóquio fizeram o skate cair na graça de muita gente que não tinha a mínima familiaridade com o esporte. A comentarista do SportTV Karen Jonz, quatro vezes campeã mundial, provocou em seu twitter logo após a primeira prata conquistada por Kelvin Hoefler, na categoria Street:  “Skate sempre foi legal, vocês que só descobriram ontem”.

Skatista Pedro Barros, que recebeu medalha de prata em Tóquio (Foto: Gaspar Nóbrega/COB/Divulgação)
Skatista Pedro Barros, que recebeu medalha de prata em Tóquio (Foto: Gaspar Nóbrega/COB/Divulgação)

Após a prata de Rayssa Leal, de apenas 13 anos, também em Street, e o fechamento na madrugada de quinta-feira (5) com a medalha prateada de Pedro Barros, na categoria Park, o assunto ficou ainda mais quente na cabeça dos brasileiros. Marcas como a Nike, que fez o uniforme da equipe do Brasil, e a venda de equipamentos para a prática do esporte, viram suas buscas aumentarem muito.

Dados ainda extraoficiais dão conta de que o segmento de rodinhas, shapes (prancha), trucks (eixos) e demais partes que compõem o skate propriamente dito teve mais de 200% de aumento na procura nos últimos dias. A Nike, responsável pelo uniforme da equipe brasileira, registrou crescimento de mais de 700% nas buscas de itens de skate em seu site no Brasil, entre os dias 24 e 27 de julho, quando ocorreu a etapa de competição em que Kevin e Rayssa participaram, em comparação com o período de 1 a 23 do mesmo mês.

Lifestyle

O Brasil é destaque em competições internacionais há anos, mas diferente de outros esportes, como futebol e vôlei, os atletas ou melhor, skatistas, trazem mensagens que vão além de suas performances. Um estilo de vida e uma forma de se vestir que está diretamente ligada ao streetstyle, ou roupa de rua, lugar onde a modalidade nasceu. E foi isso exatamente o que vimos na exibições de Tóquio. Roupas que podem ser usadas por qualquer pessoa de qualquer idade, sem altas tecnologias. Na vida real, o que vale são roupas que protegem o corpo, incluindo até calça jeans.

Pedro Barros, Rayssa Leal e Kevin Hoefler (Fotos: Gaspar Nóbrega/Jonne Roriz e Wander Roberto/COB/Divulgação)
Pedro Barros, Rayssa Leal e Kevin Hoefler (Fotos: Gaspar Nóbrega/Jonne Roriz e Wander Roberto/COB/Divulgação)

Apesar do aumento pela procura das peças no site da Nike, nem todas estão à venda no Brasil, assim como os tênis. O modelo que Rayssa usou, o Nike SB Shane T, por exemplo, não está disponível no país, assim como a calça cargo e algumas camisetas. A marca oferece um tênis similar ao da Rayssa, o SB Bruin React T, que custa R$ 599,99. Entre as camisetas da equipe brasileira, apenas a criada pelo artista holandês Piet Parra, desenvolvida com inspiração nas culturas individuais de cada país. Há também as versões do, Japão, França e USA. Cada uma custa R$ 499,99.

 

Yndiara Asp e Isadora Pacheco com alguns dos uniformes do Brasil (Fotos: Miriam Jeske/COB/Divulgação)
Yndiara Asp e Isadora Pacheco com alguns dos uniformes do Brasil (Fotos: Miriam Jeske/COB/Divulgação)

Tênis

O “Elas no Tapete Vermelho” conversou com especialistas em streetstyle e em skate para entender o que deve ser levado em consideração na hora de escolher a roupa para a prática do esporte, que é democrático: na Olimpíada havia competidores de 12 anos (a medalhista de prata japonesa Kokona Hiraki) e de 46 (o dinamarquês Rune Glifberg e o sul-africano Dallas Oberholzer), além de magros, gordos, altos e baixos.

“Os tênis têm mais importância que as roupas. Precisam ser de materiais muito resistentes, com solado de borracha vulcanizada e parte de cima de lona ou couro, para aguentar a lixa do skate e as manobras”, explicou Marnei Carminatti, designer, diretor criativo e consultor do projeto Inspira Mais, que pesquisa tendências para toda a cadeira ligada ao vestuário.

Bruno Rinaldi Hupfer, diretor técnico da Federação Paulista de Skate, lembra que o solado reto é necessário para aderir à prancha e não causar desequilíbrio ao praticante. “Os tênis de academia, de corrida ou caminhada têm amortecedores e solados de diferentes alturas e relevos que podem atrapalhar as manobras e escorregar o pé”, explicou.

Além disso, segundo o também skatista Rafael Narciso, que lançou há 13 anos a marca Öus Footwear de calçados para skate, entre outros, incluindo também roupas, o EVA, material usado nos tênis para outras práticas esportivas, não resiste à abrasão da lixa do shape. “O maior desafio é aprimorar a resistência dos materiais para diminuir o desgaste. Hoje, fazemos o solado com uma mistura de borracha artificial e látex natural, para resistir mais à abrasão. Ao mesmo tempo nos preocupamos com o grip, que é a capacidade do material de aderir à prancha”, afirmou Rafael, que lembra mais dois pontos importantes do calçado. Os tênis para skate da marca custam de R$ 289 a R$ 489.

Uma delas é a parte de cima (cabedal). Um dos materiais usados na Öus é a camurça bovina, além de material vegetal similar à camurça, o V Suede, para atender também o segmento vegano. Outro ponto lembrado por ele é o amortecimento do impacto após as manobras. “Para isso, desenvolvemos três tipos de palmilha, uma para cada modalidade do esporte, de acordo com o impacto das manobras”, explicou.

Rafael explica que a pandemia fez com que a procura por equipamentos de skate subisse. “Como dá para praticar na garagem ou sozinho na rua, aumentou o interesse pela miodalidade durante a pandemia.” Em relação a vendas, ele disse que ainda não sentiu o impacto da Olimpíada, porque não recebeu o histórico das lojas. Mas Victor Rodrigues, da Ratus Skate Shop, que existe desde 2007 em Santo André (SP), confirmou que a pandemia fez as vendas aumentarem. “Os Jogos Olímpicos foram um trampolim, ainda bem”, disse. A loja vende skates a partir de R$ 240, os infantis, até R$ 3 mil, os profissionais.

Rua como refúgio

O designer, skatista e rapper mineiro Leo Cezario, da organização Família de Rua, focada na promoção da cultura Hip Hop e do skate em seus moldes originais, afirmou que as roupas e os tênis com muita tecnologia são para a prática de alta performance. “O skatista que vive o lifestyle da prática, na rua, precisa apenas de uma calça de tecido grosso que dure e proteja a canela e de camiseta”, disse.

“O skatista raiz pega a calça do pai, a camisa do tio e pratica”, afirmou ele, lembrando porém a importância do tênis resistente. “Sempre se busca o que resolve o atrito com a lixa”, ratificando a ideia geral de que o skate é o esporte radical que mais detona os tênis, seja na parte de baixo, na parte de cima e até nos cadarços.

“Muitos skatistas buscam a rua como refúgio das tretas em casa. Quem tem acesso financeiro é mais antenado, mas na rua, vemos muitas vezes o pessoal que usa mais o pé esquerdo trocar o tênis desse lado, que tem mais desgaste, com quem usa mais o pé direito”, afirma o mineiro, ao lembrar que a prática tem a capacidade de gerar muitas ações sociais junto a crianças carentes.

“Agora é hora de os projetos sociais receberem holofotes”, disse Cezario,  que também tem a marca FDR – Roupa de Rua, com camisetas, calças, shorts e acessórios do universo rapper e do skate, com preços acessíveis. Para não citar apenas um dos vários projetos nacionais, ele dá como exemplo a ONG Skateistan, que atua na Jordânia, África do Sul e Camboja, com crianças carentes e refugiadas.

Universo próprio

O consultor Marnei Carminatti afirmou que o skate carrega a própria cultura underground, com características únicas. “Marcas como a Nike patrocinam atletas, mas em paralelo, o que acontece nas ruas, nos grandes centros urbanos, não se submete a modismos. As marcas não conseguem ter influência sobre os praticantes, que estão descolados das tendências”, disse. O skatista de rua, segundo ele, veste-se mais de acordo com sua personalidade. “O visual pode ser de rock, heavy metal, hip hop, ou o que esteja mais próximo de seu universo”, explicou.

De qualquer forma, alguns detalhes são importantes na prática do skate, mas nada rígido. Bruno Rinaldi Hupfer comentou que ao ver a pequena Sky Brown, de 13 anos, que ficou com a medalha de bronze na competição Park, feminina, percebeu que estava com meia de cano baixo e calça mais curta, deixando o ossinho do tornozelo à vista.

O histórico da garota, no entanto, dá conta que uma ralada na região é café pequeno para ela que, no ano passado, sofreu um acidente gravíssimo ao fazer uma manobra em casa: fraturou o crânio, o braço esquerdo e os dedos da mão direita. E o que falar do vídeo viral de Rayssa Leal, de 2015, fazendo skate vestida de fadinha. Sim, como disse Cezario, o skate é “transgressor, subversivo e marginal”. Ao mesmo tempo olímpico e underground. Uma cultura própria, parafraseando Karen Jonz, que “sempre foi legal”.

Veja o vídeo de Rayssa Leal

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