Três trabalhos da estilista Renata Buzzo farão parte do acervo permanente do The Costume Institute, do Metropolitan Museum de Nova York, que anualmente promove o tradicional baile beneficente Met Gala. O tema de 2026 será “Costume Art” (“Arte do Traje”), levantando a questão sobre se moda é arte. Um dos looks escolhidos é o “Corset Anatomia”, desfilado no SPFW N58, em novembro de 2024.

A peça expõe vísceras do corpo feminino em 3D, assim como os demais looks da coleção verão 2025, cujo tema principal foi o feminicídio — incluindo os outros dois trabalhos selecionados pelo museu norte-americano para integrar o acervo, que ainda permanecem em segredo. No desfile, que contou com Letícia Colin e GKay na passarela, os looks traziam intestinos, corações, pulmões, ossos e até aparelho reprodutor feminino, confeccionados dem tecido e aplicados em casacos, saias, vestidos e até look de noiva.

“A coleção fala da questão da morte, são três mortes. Quando você está num relacionamento que você sofre um apagamento e você é obrigada a exercer uma coisa que você não é. É um óbito social. A gente fala da morte visceral, a mulher morre muitas vezes pela mão de gente que ela ama. E a morte metafórica de você se reinventar, de você morrer quantas vezes você precisar”, disse Renata.

A ideia de criar as peças nasceu a partir de um texto-poema escrito pela designer chamado “O Corpo”, que fala sobre um corpo de mulher na rua. “Tem um corpo na sarjeta/ Largado sem identificação/ Corpo de mulher (…). Essa é uma analogia de como o corpo feminino incomoda em várias vias. É sobre os desconfortos que o corpo causa. O corpo na guia”, diz trecho do poema. E se o tema da exposição e do Met Gala é discutir se moda é arte, aqui há a união de duas vertentes artísticas: a construção do look a partir de um poema da própria artista.

Em entrevista exclusiva ao Elas no Tapete Vermelho, a estilista contou como recebeu a notícia, explicou que estudou anatomia para desenvolver os órgãos em diferentes dimensões e revelou que, após a apresentação da coleção — também chamada “O Corpo” — foi convidada a sair do calendário oficial de moda por, “segundo a direção do evento, não ser delicado”, “incomodar” e “não ser comercial”. O espaço está aberto para posicionamento do SPFW sobre o assunto, que não respondeu até a publicação desta matéria.

Renata Buzzo, formada pela Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, é vegana e abriu sua marca homônima em 2013, seguindo a ideologia de não usar produtos de origem animal e utilizando material de descarte para criar suas coleções, cujas inspirações sempre vêm de seus poemas e reflexões. Desfilou na Casa de Criadores de 2016 a 2019 e, em 2020, estreou no SPFW, na edição virtual do evento por causa da pandemia, se apresentando de forma ininterrupta até novembro de 2024.

Trechos da entrevista exclusiva ao Elas no Tapete Vermelho:
Elas no Tapete Vermelho – Quando recebeu a notícia?
Renata Buzzo – Em 10 de setembro recebi o convite, e agora em novembro fiquei sabendo que a peça seria a imagem principal da divulgação oficial da temática.
Elas no Tapete Vermelho – O que sentiu na hora?
Renata Buzzo – Fiquei sem acreditar, não caía a ficha. Estou assim até agora.

Elas no Tapete Vermelho – Como surgiu a ideia de criar os looks e como estudou a anatomia humana para confeccioná-lo?
Renata Buzzo – Eu e minha equipe estudamos livros de anatomia e fizemos nossas interpretações e intervenções. Desconstruímos a anatomia e mudamos proporções propositalmente para criar esse desconforto do olhar.
Elas no Tapete Vermelho – O que essa escolha representa para você e para a moda brasileira?
Renata Buzzo – Para mim, representa a chancela de que meu trabalho tem valor. Para a moda brasileira, não sei realmente, visto que foi o mesmo trabalho que me tirou do calendário oficial por, nas palavras da direção, “não ser delicado”, “incomodar”, “gerar estranheza”, “não ser comercial”, “não gerar venda, números”.

Elas no Tapete Vermelho – Você está estruturando sua marca para ser mais comercial. O que pretende fazer?
Renata Buzzo – Sim, estou estruturando para o comercial. Quando fui dispensada do evento, este ano, estava justamente desenvolvendo esse lado, porque havia sido um pedido da direção para que eu tivesse mais relevância comercial. Entreguei o escritório pequeno e aluguei um prédio melhor para ter uma loja. Mas não esperaram isso se concretizar e fui dispensada. Como já estava empenhada nisso, reformei o espaço e continuei. Em março, lanço minha linha comercial nesse espaço pequeno, sem desfile, com lookbook e um curta-metragem, porque gosto dessa linguagem cinematográfica. O atendimento será sempre com hora marcada, porque sigo no slow fashion, com menos intervenção e mais foco no têxtil. Em outubro, faço a abordagem mais conceitual, trazendo a linguagem artística. Não adianta: penso que a passarela é também um lugar de entretenimento. Se coloco só o comercial lá, não é algo que brilhe meus olhos.

Elas no Tapete Vermelho – As linhas têm nomes definidos? Explique os conceitos.
Renata Buzzo – Sim, são duas linhas.
Labô/Conceitual, com lançamentos anuais em desfiles performáticos, laboratório poético de criação e experimentações (outubro/26). Trago o conceito de objeto vestível enquanto ideia.
A outra é a Ordinê/Comercial, com lançamentos de coleções em vídeo curta, em linguagem de contos sobre situações ordinárias de personagens femininas — roupas para momentos cotidianos (março/26). Mesmo sendo uma linha comercial, sigo com linguagem artística. Nos vídeos, mostro o guarda-roupa de um personagem, com história e situação. Desfilando solo, não estou sendo tolhida e consigo unir a proposta comercial a algo que me dê prazer em fazer.
Elas no Tapete Vermelho – Como pretende manter o conceito vegano e de reaproveitamento, inclusive na linha comercial?
Renata Buzzo – O veganismo permanece. A marca é vegana; não utilizo matéria-prima de origem animal. Tenho essa preocupação com o descarte. As superfícies que elaboro são pensadas para aproveitar resíduos que a própria peça gera. Sempre penso em reduzir impacto. É uma premissa da marca e isso não vai mudar.
