Vários desfiles do quarto dia da 56ª edição da Casa de Criadores, que acontece no Centro Cultural São Paulo, celebraram a memoria negra, principalmente das mulheres. Entre elas, a Yebo, marca da filha de Mano Brown, Domênica Dias, que não esteve presente. Apenas sua mãe, Eliane Dias, marcou presença na primeira fila e nos backstage do evento.

Além da Yebo, Mônica Anjos e Jacobina também reverenciaram população negra, por meio de roupas que trazem referências, mas com perfumes modernos e antenados com as vontades dos dias atuais: leia-se cortes de alfaiataria, trabalhos manuais, bordados e tecidos confortáveis.

Rober Dognani, que desfila há 22 anos na Casa de Criadores, criou sua coleção inspirado nas histórias contadas pela sua família, algumas fantasmagórica, como a que retrata o vestido da Nona Cega, um modelo do século 19 feito com náilon, para o desfile. Filipe Freire deixou de lados tecidos para criar uma coleção feita apenas com argolas de metal. Guma Joana mais uma vez reinvidicou reconhecimento à comunidade trans, com roupas que ganham influência da cultura pop.
Veja detalhes dos desfiles
Yebo

Com Elaine Dias, mulher de Mano Brown, nos bastidores e na primeira fila, sem a filha Domênica, ambas donas da marca, a Yebo levou uma alfaiataria desconstruída e moderna, com toques de streetwear à passarela. Lembrando que a família está à volta de uma polêmica, já que foi apontado que Eliane vive um affair com uma mulher.

Nas redes sociais, Mano Brown se pronunciou. “Há mais de dez anos, eu e Eliane Dias não estamos mais juntos enquanto casal, mas seguimos unidos pela família, pela amizade e pelos compromissos. Eliane é uma excelente mãe, companheira nas horas boas e ruins, empresária e CEO da empresa que gerencia minha carreira que está em um momento muito bom, com muitas coisas vindo por aí”, escreveu. Elaine, por sua vez, não deu entrevista durante o evento, apenas posou para fotos nos bastidores.

Voltando à coleção. Segundo a designer criativa da marca, Regina Torres, que apareceu no fim do desfile para receber os aplusos da plateia, a coleção, chamada “Focus in Moviment”, foi criada para mulheres reais. Roupas usadas por modelos masculinos também cruzaram a passarela.

Quase tudo em tons de preto, branco e cinza, como os ternos, blazers, bermudas e calças, mais largas. Quando uma modelo desfilou um conjunto de bermuda e jaqueta cropped, o vídeo ao fundo da passarela, que passava imagens de mulheres negras, exibiu fotos de Preta Gil, que morreu dia 20 deste mês.
Jacobina

O estilista Rafael Aquino, da Jacobina, levou poesia pura à passarela, com sua coleção “Névoa”, que reflete sobre o apagamento das mulheres negras na sociedade. Inspirado por sete figuras históricas cujos feitos foram envoltos em névoas na memória coletiva — Leodegária de Jesus, Carolina Maria de Jesus, Victoria Santa Cruz, Tia Ciata, Marsha P. Johnson, Enedina Marques e Ruth de Souza, e também em anônimas, cujos pensamentos forma envoltos em névoas.

Com o preto como cor predominante, fez uma alfaiataria linda, com flores nas estampas e em bordados feitos com resíduos de embalagens de amaciantes, que se acendiam com cristais incrustrados.

Na estampa que lembra rachaduras, desenhos em verde e vermelho se abriam como frestas de luz no fundo escuro.

Teve ainda roupas com manchas feitas a partir de técnica de que traz memórias de lamparinas de querosene, que ilumina a escuridão e aquece a mamória, como diz o release, feitas pela artista Lucélia Maciel. Um sopro de luz sobre a história que a sociedade manteve na escuridão.
Guma Joana

Guma Joana apresentou sua 10 coleção na Casa de Criadores, sem deixar de lado sua veia crítica, colocando a comunidade trans em evidência. Na passarela, nomes como Dudu Bertholini, Maxi Weber e a própria Guma fizeram a festa regada a cultura pop, provando, como a estilista diz, que a comunidade trava existe desde a pré-história e vai continuar no futuro.

Mônica Anjos

A estilista apresentou a coleção Odé Kaiodè, que homenageia Oxossi. “Também reverencia a memória de Mãe Stella de Oxóssi, sacerdotisa, intelectual e ícone do Candomblé baiano, que faria 100 anos em 2025. Enfermeira, escritora e membro da Academia Baiana de Letras, Mãe Stella deixou um legado de saberes ancestrais e religiosidade que ecoa fortemente na proposta estética e espiritual desta coleção”, explicou no release.

Os saberes ancestrais foram traduzidos em alfaiataria com benefícios: tecidos texturizados, fibras naturais, como palha naturais, tramados e tricôs.

Tudo numa mistura de conforto e terminação impecável. Calças oversized (tendência absoluta nos desfiles da Casa de Criadores), vestidos amplos e muitos búzios como enfeite, em tons que vão do branco, off-white até chegar em azuis.
Filipe Freire

Filipe Freire “incendiou” a passarela da Casa de Criadores com Fire, coleção que transforma correntes metálicas em armaduras de desejo, que cobrem corpos, mas deixa muita pele à mostra.

Sem tecidos, apenas metal. Peso, som e brilho compõem a estética rock sexy que é hoje a assinatura do estilista, que levou a trans de Beleza Fatal Kiara Felippe à passarela. E também a influenciadora Jess, que teve tachas aplicadas até no couro cabeludo.

A coleção é o primeiro ato pensando em levar os cinco elementos à passarela. Por isso, as correntes forjadas a ferro e fogo se transformam em vestido, blusas, coletes, tops, saias e bermudas.
Rober Dognani

Com Barbara Fialho na passarela, Rober Dognani contou histórias “assombrosas”, escutadas desde a infância em sua família, encerrando o quarto dia da 56ª edição da Casa de Criadores.

Nada é minimalista para o estilista, por isso vestidos enormes, alguns com direito a crinolina e outros looks com capas de náilon que esvoaçavam na passarela.

Vinil e renda também nunca faltam nas roupas de Rober, que levou para a passarela Marina Dias, Dudu Bertholini, entre outros modelos performáticos.

O vestido da Nona Cega, todo preto, é um referência à história que sempre escutou de seus familiares na infância. Segundo ele, ao embarcarem no navio na Espanha, os pareentes imigrantes deixaram no porto uma velha cega, vestida toda de preto.